MANIFESTAÇÕES
Desta vez os manifestantes, auxiliados pela
mídia reacionária, fizeram a gentileza de mostrar a cara. Para começo de
conversa, o contingente foi bem mais reduzido que o propalado, inclusive por
autoridades que outrora tentavam de todas as maneiras reduzir o espaço dos
manifestantes.
Não se tratava de protesto contra a
corrupção. O eco maior foi Fora PT, mais forte que o Fora Dilma.
O ápice do teatrinho de quinta categoria
foi quando a turba cantava: “a nossa bandeira jamais será vermelha”. Os
cartazes pediam o impeachment, atacavam o comunismo, reclamavam intervenção
militar e condenavam a virada à esquerda do país. Tudo copiado da Marcha da
Família com Deus pela Liberdade, de 1964, que lutava contra o perigo vermelho.
Pediam-se todas as ações ditatoriais e antidemocráticas perfeitamente
exeqüíveis por volta da metade do Século passado. Só faltou ressuscitarem
Carlos Lacerda e seus asseclas.
Na verdade, esperavam-se manifestações contra
a corrupção do PT, do PP, do PMDB, do PSDB e de todos os partidos. Esperava-se
também manifestações quanto a Operação Zelotes, sonegação de impostos, contas
secretas de políticos, celebridades e empresários no HSBC da Suíça. Pensou-se que
haveria protestos contra o ajuste fiscal, as terceirizações e a retirada de
garantias trabalhistas. Pensou-se que os deputados citados na lista de Janot,
seriam alvos de críticas, chacotas e cobranças. Nada disso aconteceu. A turba
descontrolada e insuflada pela mídia reacionária comportou-se como o “Estouro da Boiada”, descrito por
Euclides da Cunha (traços): “De súbito, porém, ondula um
frêmito sulcando, num estremeção repentino, aqueles centenares de dorsos
luzidios. Há uma parada instantânea. Entrebatem-se, enredam-se, trançam-se e
alteiam-se fisgando vivamente o espaço, e inclinam-se, embaralham-se milhares
de chifres. Vibra uma trepidação no solo; e a boiada estoura... A boiada
arranca!”
A BANCADA BBB
A Bancada do Boi, Bíblia e Bala do Congresso
Nacional, trabalha firme no projeto para reduzir a maioridade penal.
Após algumas sessões marcadas por protestos, bate-bocas e
troca de acusações, a Comissão de Constituição e Justiça aprovou a proposta de
emenda à Constituição que reduz de 18 para 16 anos a maioridade penal no Brasil.
O fato chama atenção porque 60% dos deputados a favor da emenda estão sendo
investigados por cometimento de crimes.
A
responsabilidade criminal a partir dos 18 anos, segundo juristas de renome, é
cláusula pétrea da Constituição. Mesmo assim a proposta foi reavivada pela chamada Bancada da Bala, que agregou
o apoio de parlamentares evangélicos e ruralistas. PSDB, DEM, PSD, PRB,
Solidariedade, PSC e parcelas do PMDB asseguraram a vitória do grupo.
CLASSIFICAÇÃO
O Brasil ocupa o quarto lugar na lista
dos sonegadores que são clientes do HSBC que remetem dinheiro sonegado para
contas secretas na Suíça.
Um funcionário do HSBC que vazou as informações, afirmou que
o banco criou um sistema para enriquecimento à custa dos brasileiros, promovendo
evasão fiscal e lavagem de dinheiro.
Um leitor da Folha de São Paulo declarou ao jornal em 17 de
fevereiro último que a baixa repercussão do escândalo financeiro
na imprensa brasileira se deve ao fato de que a imprensa brasileira ao invés de
combater a corrupção, é parte dela.
O Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos
(Icij – sigla em inglês) teve acesso a mais de 100 mil clientes de mais de 200
países. Estes cidadãos do mundo guardaram suas merrecas de 100 bilhões de
dólares nas contas secretas do HSBC na Suíça.
O Brasil participou com quase 9.000 “poupadores”, obtendo um
honroso quarto lugar para os potenciais sonegadores.
Imagina-se que o tal leitor tenha utilizado a palavra corrupção
em seu sentido amplo, ao atribuir essa prática à imprensa do País do
Carnaval. Assim, devem ser interpretadas como uma denúncia de omissão e cumplicidade
da grande mídia com as camadas sociais que costumam dançar ao som de
picaretagens financeiras e no ritmo do descumprimento de suas obrigações com o
fisco.
Os picaretas financeiros são da mesma turma que quer o fim
do Brasil. Enquanto fazem suas picaretagens e corrupções do tipo perpetrado
pela RBS contra a Receita Federal, incentivam gritos de “pega ladrão” diante
das patifarias de seus iguais. Com tamanha falta de vergonha e de princípios,
nunca é demais relembrar a frase de Stanislaw Ponte Preta: “Restaure-se a
moralidade ou nos locupletemos todos”.
INDIGNAÇÃO
Não é bom para o
Brasil gritar contra os corruptos e não se importar com os sonegadores.
Uma
ladroeira de 19 bilhões de reais, descoberta e investigada pela Operação
Zelotes da Polícia Federal, recebe menos atenção da mídia que uma extração da
mega sena.
Embora
esta montanha de dinheiro represente quatro vezes o valor desviado na
Petrobrás, não tem produzido a mesma indignação mostrada em outros casos de
corrupção.
Este
achado deveria ser o maior escândalo de corrupção da história, se a sonegação
fosse vista pelas elites econômicas e por grande parcela da sociedade como algo
escandaloso. Mas não é. Não é e não convém que seja, embora implique em crime
de roubo de dinheiro público, que tanto quanto os desvios na Petrobrás
serviriam para melhorar a saúde, educação e saneamento.
Isso
ocorre porque o crime de corrupção é atribuído ao servidor público, enquanto
que a sonegação é disseminada entre os segmentos econômicos mais ricos, abarcando
também os mentores dos impostômetros espalhados por todo o País. Por essas e
por outras que as instalações deveriam contemplar também os não menos famosos
sonegômetros.
A
impressão de que a sonegação é corrupção menor deriva do grande privilégio que
gozam os sonegadores, cujos crimes, mesmo após denunciados, são passíveis de
extinção da punibilidade, caso o acusado opte por liquidar ou parcelar sua
dívida. Não somente a dívida do contribuinte comum, mas também a dos grandes
figurões do setor privado pode ser paga em suaves prestações, quando não
protelada anos a fio. Ou seja, sonegar no Brasil não é perigoso, principalmente
para as grandes corporações que, aliás, desfrutam de boa reputação e são
geralmente apontadas como exemplo de eficiência e boa gestão.
Se
os movimentos das ruas pretendem combater a corrupção, por que não se revoltam
contra a sonegação? Não se poderia esperar que exigissem combate mais rígido à
sonegação e ao sonegador? Será que são condescendentes porque ao pedir punição
para a sonegação seriam traídos pelas próprias vozes?
O
grande mal desses dias não é a corrupção. O pior dos males é a indignação
seletiva e hipócrita demonstrada por setores golpistas da sociedade.