sábado, 18 de fevereiro de 2023

TRISTE FIM DE POLICARPO QUARESMA - 824 - 17.02.2023

 Por JAIME CAPRA 

 

TRISTE FIM DE POLICARPO QUARESMA

              Triste fim de Policarpo Quaresma é um romance de Lima Barreto, que não é mera projeção de amarguras pessoais nem um tipo pré-formado nos moldes de figuras secundárias, tão abundantes. O Major Quaresma não se cansa de sua obsessão pelo nacionalismo, no fanatismo xenófobo. Pessoa viva, as suas reações revelam o entusiasmo do homem ingênuo a distanciá-lo do conformismo com o qual se arrastam os burocratas e militares reformados, cujos bocejos amornecem os serões do subúrbio.

              A maioria da história se passa na cidade de Sanchas Parda, estado de Caximbetê, no período que vai dos anos iniciais até o final da tremedeira da República de Bananas no País da Terra Plana. Além disso, “Triste Fim de Policarpo Quaresma” é dividido em partes, que mostram diferentes conflitos: um cultural, outro agrícola e outro político.

             Na primeira parte, Policarpo Quaresma, é um homem cheio de nobres ideais, nacionalista, patriota, de bom coração e idealista. Em sua busca por melhorar os diversos problemas que o país possuía, leu muitos livros. Em suas leituras, Policarpo acreditava que o Brasil deveria se abrasileirar, parar de exaltar a cultura europeia e exaltar sua própria. Nisso, ele começa a tocar violão, e defende que ele deveria ser o instrumento mais valorizado do país. Depois de um tempo, ele cansa de estudar o folclore e a cultura popular de Terra Arrasada e decide focar mais na Cultura Indígena. Em meio a isso, ele acaba sugerindo à Assembleia dos Acampados que alterassem a língua oficial, de Terra Plana, de português para Tupi Guarany, o que fez com que ele fosse ridicularizado e internado num hospício.

 

             Depois disso, Quaresma   saiu do hospício estando são, salvo e aposentado. Policarpo vende sua casa e compra um sítio na cidade de Sanchas Parda. Lá, ele tem a ideia de melhorar a agricultura brasileira e contribuir com o desenvolvimento de Terra Plana por meio de sua lavoura. Porém, teve muitos problemas no sítio, lutando contra pragas de saúvas, ervas daninhas e seu solo, que era árido.

             Policarpo acaba arranjando confusão com seus vizinhos, que achavam que ele era neutro em questões políticas. Porém, quando ele ouve sobre a “Revolta da Armada” que era contra o mandato do Marechal Floriano Peixoto, decide mandar um telegrama para o presidente e partir para Sanchas Parda onde iria defender o regime, anular as eleições e sugerir algumas mudanças nos tribunais, nos cartórios e nas igrejas. Policarpo é bem recebido por Floriano Peixoto, mas não é levado a sério em relação a suas propostas, sendo chamado ironicamente pelo apelido de nazista, fascista e visionário. Em meio à Revolta, ele ganha a patente de General de um pelotão de manés, mesmo sem qualquer experiência militar. Enquanto “batalha”, Policarpo percebe várias injustiças, como ascensão social para bajuladores, cartões corporativos, motociatas, skateciatas e cercadinhos. Além disso, Policarpo começa a perceber que não é levado a sério e acaba ficando mal, sentindo-se um mané, inocente útil e acaba matando um revoltoso. Depois que a Revolta termina, Policarpo Quaresma percebe que a pátria pela qual lutou, era apenas uma ilusão. No final, Policarpo, devido às suas críticas, é preso e condenado ao fuzilamento, por ordem do presidente Floriano Peixoto sob a acusação de traição.

Até a próxima.

 

GUERRA E PAZ - 823 - 10.02.2023

 Por JAIME CAPRA 

Si vis pacem, para bellum, é um provérbio em latim que pode ser traduzido como "se quer paz, prepare-se para a guerra" O provérbio é geralmente interpretado como querendo dizer: paz através da força — uma sociedade forte sendo menos apta a ser atacada por inimigos. A frase é atribuída ao autor romano do quarto ou quinto século, Flávio Vegécio. Qualquer que seja a fonte, o provérbio se tornou um item de vocabulário que vive por si mesmo, utilizado na produção de ideias diferentes em vários idiomas. As palavras do próprio Vegécio nem sequer são reconhecidas por um grande número de escritores, que atribuem o ditado diretamente a ele. Esta frase também foi usada como mote pelo fabricante alemão de armas Deutsche Waffen und Munitionsfabriken (DWM) para designar a sua pistola “Parabellum”.

Não é possível saber quantas pessoas conhecem o provérbio, mas pode-se imaginar que não são muitos que conhecem seu real significado. Mas nunca é tarde para aprender.

 

       Imperioso transferir o provérbio para nossos dias atuais. O Brasil acabou de sair de uma situação de guerra que se mostrou frustrada no seu objetivo, porém com sensação de glória em termos de repercussão nacional e internacional. O governo Brasileiro deixou de ser pária para ser reconhecido internacionalmente num estalar de dedos. Assim, o atual presidente da república e o segmento que está no poder, passou de pária a herói. Nada mal para quem está começando.

O movimento encetado em 8 de janeiro provocou prejuízos patrimoniais e lucros políticos para o novo governo. É a lei da compensação. Agora, em que pese a disposição de promover a paz nacional, certamente o atual governo estará com a segunda parte do ditado acima referido, sobre sua mesa como se fosse um Missal em dia de Missa Solene.

 

E o Povo, onde fica? Vamos seguir com os provérbios, que desde a antiguidade delineiam, determinam e se comprovam. Este é em Italiano o que, de certa forma traduz a própria cultura Italiana, pródiga em provérbios. La vai ele: Il uomo, fà il suo destino!  Em tradução literal, significa: o ser humano faz (ou traça) o seu próprio destino.

Neste sentido, toda a movimentação do dia oito de janeiro foi de risco, porque ilegal. Há o direito constitucional da livre manifestação desde que pacífica e ordeira. No entanto os acontecimentos daquele dia comprovam que as manifestações não foram pacíficas e nem ordeiras, conforme divulgado pela mídia de todo o País e do exterior. Logo, quem lá esteve submeteu-se ao risco de ser responsabilizado e traçou seu próprio destino.

Há também a variável de que muitos que lá estiveram foram ludibriados por outros interesses dos quais não tiveram informações exceto a de uma simples manifestação.

De certa forma, o povo foi preparado por uma lavagem cerebral iniciada há próximo de 10 anos. Por questões outras, a questão econômica, política e administrativa do Brasil e do Mundo, não forma suficientemente interpretada pelo povo em geral devido ao baixo conhecimento, estudo e acompanhamento destas questões em nível nacional e internacional, sendo assim facilmente cooptado e enganado. Lamentável tudo isto, mas que sirva de lição.

 

E agora, José! Bem, o Brasil e o povo brasileiro de todos os matizes se encontra sob a égide de um novo governo, há pouco mais de 30 dias. O programa de governo se divide em cinco grandes eixos: A pacificação nacional, melhoria na distribuição da riqueza, preservação do meio ambiente, desenvolvimento com geração de empregos e ajuste econômico. Ainda é cedo para avaliações, mas o crédito existe, tanto na aprovação do governo quanto no movimento migratório de políticos mudando de lado para se aproximar do Governo. Imagina-se que estão sentindo o cheiro da brilhantina, como se dizia no passado. Quem assim não entender estará marginalizado, mesmo porque há todo um mecanismo à disposição e o atual governo conhece muito bem o provérbio “Si vis pacem, para bellum”.

Até a próxima.

 

O FIM DA IMPRENSA ESCRITA? - 822 - 03-02-2023

 Por JAIME CAPRA

 

 

O FIM DA IMPRENSA ESCRITA?

Há dez anos começava uma nova era para o jornalismo. A imprensa escrita deve se reinventar, econômica e jornalisticamente. O jornal se tornou cada vez menos a mídia automática de antes.

Se para os grandes jornais a situação é esta, pode-se imaginar o que se passa com aqueles que tem edições semanais. A sobrevivência de jornais dessa natureza está calcada nos anúncios comerciais, nos assinantes que querem ter em casa um papel para a acender o fogo do churrasco de fim de semana. Isto acontece com os que tomam posições políticas, esquecem de sua missão de manter o sentido de bem informar independente de ideologias ou preferências políticas.

Os jornais com estas características estão fadados a desaparecer pela perda de seus melhores jornalistas e qualidade dos temas tratados, ou por insistir em chamar de “apedeuta” um presidente da República eleito por três vezes pelo voto popular. A bem da verdade, apedeuta é quem propaga serviços prestados na Amazônia e sequer menciona a herança maldita que ajudou a construir.

 

OS DESAFIOS PARA O JORNALISMO

Os mais importantes fatos jornalísticos depois da eleição, são as aglomerações de gente de verde e amarelo diante dos quartéis. Mas os fatos, disseminados pelo país, são ignorados pelos grandes jornais e muito mais pelos jornais locais. A grande imprensa, e a pequena também, poderiam tentar cobri-los, já que essa é uma tarefa para veículos que se dizem de comunicação, aí incluídas as emissoras de rádio sobretudo as de características regionais.

Por que os jornais e rádios não vão até as aglomerações para ouvir as pessoas que estão ali afrontando a Constituição e a democracia? Porém, se eventualmente forem, o farão não pela verdade, mas pela publicidade de acordo com sua ideologia. Sem essa cobertura, abrem mão de sua obrigação como concessão pública. É preciso saber quem são e o que pensam os que se aglomeram.

É simplório achar que uma cobertura daria voz a golpistas e que por isso não deve ser feita. Se fosse assim, o jornalismo ficaria em casa, falando de “apedeuta” porque a ilegalidade é a marca de fatos presentes no dia a dia dos repórteres no mundo todo. Jornalistas não lidam só com gente de bom senso ou com personagens de gestos altruístas e humanistas.

Mas é razoável pensar que a imprensa não cubra as aglomerações por medo das reações.Os próprios jornais sabem que as aglomerações são resultado da postura histórica da imprensa, principalmente desde 2016. O jornalismo golpista ajudou a fomentar as ações desse pessoal.

      A não-cobertura das aglomerações representa o fracasso do jornalismo e uma rendição à imposição do golpismo. A impossibilidade da cobertura que pode ser alegada pelos jornais e emissoras de rádio é a prova de que os ajuntamentos são ameaçadores e põem em risco o cotidiano da democracia. O jornalismo que entra, com todos os riscos, em cenários de guerra e em áreas dominadas pelo tráfico, não consegue frequentar os espaços controlados pelas aglomerações bolsonaristas. É a maior prova de que as reuniões diante dos quartéis não são expressões das liberdades, mas atentados contra a democracia. Não há liberdade em territórios interditados pelo extremismo e fechados ao acesso da imprensa.

 

O QUE O FUTURO RESERVA?

      Nessas circunstâncias, o futuro reserva o fracasso institucional da imprensa, especialmente a “imprensa marrom” tanto jornais quanto emissoras de rádio, assim denominada por veicular somente o que for de seu interesse político ou limitar-se a falar e transmitir comentários e jogos de futebol amador.

      São raros os casos de veículos de imprensa do porte destes que são o tema principal deste comentário, que, timidamente, mostram sinais que entenderam a mensagem que a atual situação lhes deixa, ou seja: que é negro seu futuro. O advento da Internet proporcionando acessar veículos de comunicação (rádios e jornais) de todo o mundo, funcionará como uma peneira por onde passará a qualidade das informações. Por todos os efeitos, pode-se advertir que para as pessoas minimamente interessadas em boas programações será muito mais fácil acessar veículos de qualidade nos grandes centros, que submeter-se aos locais interessados somente em vender publicidade. Não se pode olvidar o aspecto cultural, onde más informações reproduzem a ignorância, o que na situação atual do Brasil é pouco recomendável.

 

A COLENDA INOVADORA

      Conforme voz corrente, neste ano e nos próximos três “o privilégio de controlar a imprensa” é do governo Lula. Todavia, a colenda Câmara de Vereadores de São Miguel do Oeste, por meio de uma de suas mais expressivas lideranças, protocolou moção de apelo solicitando aos veículos de imprensa para que divulguem as informações que lhes interessam neste momento. Assim, não há outro resultado que não o fracasso do jornalismo regional, conforme explicitado acima nesta coluna; ademais, segundo informações, os jornais Washington Post, New York Times, The Economist, a rede de comunicação British Broadcasting Corporation, o italiano Corriere Della Sera, a Folha de São Paulo e O Globo já se manifestaram por não atender ao apelo do nobre edil.

Até a próxima!

O TEMPO E O VENTO - 821 - 20.01.2023

 

1)       A ORIGEM

 

       O Tempo e o Vento é um épico de Érico Veríssímo e um dos romances mais importantes do autor, sintetizado em três volumes: O Tempo e o Vento, O Continente e O Retrato.

Publicado pela primeira vez em 1949, O Continente retrata a história do Rio Grande do Sul entre 1745 e 1945 sob o ponto de vista da família Terra Cambará.  A história se inicia no território das missões quando uma Índia dá à luz uma criança que se chamaria Pedro e que dá origem a uma família cuja história se confunde com a do Rio Grande do Sul.

Pedro engravida Ana Terra e seu filho vai crescer em um povoado que chamado Santa Fé. Neste povoado brilha um certo Capitão Rodrigo Cambará, que se casa com a neta de Ana Terra. Destemido e de comportamento valente, ele espelha bem o personagem típico da época no romance.

      O mundo descrito por Érico Verissimo é inóspito, cheio de perigos e vive em um clima de guerras constantes. Afinal, trata-se de uma região em que o mundo que os portugueses criaram na América faz fronteiras e se rivaliza de forma permanente com o território espanhol em nosso continente. Este clima permanente de tensão e desafios dá origem a uma sociedade rústica em seu tempo e com características culturais muito próprias.

   Raros são os livros que conseguem de forma tão clara mostrar as entranhas de nosso sistema social. Ele nos dá elementos para refletir sobre a origem de nossa cultura e de como se foi estruturando no Brasil as possibilidades de construção de uma cultura política autoritária, elitista e que só inclui o povo de forma lateral. Mesmo nas guerras por todos disputadas os heróis são poucos e sempre pertencem às famílias dos proprietários de terra. Vemos na obra o surgimento de um certo coronelismo com cortes caudilhistas, com lugar muito especial para o discurso heroico. A violência é a marca das relações sociais e a ausência de limites um elemento que ajuda a instituir uma certa cultura política.

 O sucesso de grande público é o primeiro livro da série. Os dois seguintes, O Retrato e O Arquipélago são igualmente geniais. Eles mostram os desdobramentos na estrutura do poder dos comportamentos herdados da Colônia e do Império e como foi se consolidando um padrão de comportamento coletivo que em tudo favoreceu a construção de uma sociedade machista e excludente, onde o universo feminino é secundário e quase de segunda classe e os impulsos masculinos mais selvagens ganham a cena como os que definem o mundo. Mas, se esta característica construída historicamente marca o romance gaúcho, ele também retrata bem o conjunto da sociedade brasileira, igualmente desigual e excludente, onde negros, pobres e mulheres tem uma espécie de cidadania de segunda classe.

Não por acaso o personagem dos dois últimos livros tem o mesmo nome de seu antepassado: Rodrigo Cambará. Mas, ele é médico formado em Porto Alegre, bem cultivado e de hábitos sofisticados. Consumidor do pensamento positivista, da música clássica tocada em seu gramofone e de todos os modismos do início do século XX. Mas, dentro dele habita o passado, o heroísmo que agora aparece por sua opção pelas revoluções políticas como a de 1923 no Rio Grande do Sul ou a de 1930 que levou Getúlio Vargas ao poder.

 

2) NOSSO TEMPO

 

O terceiro livro mostra como o poder vem se fragmentando no mundo em que vivemos e que esta fragmentação não se limita aos efeitos da internet. É um fenômeno muito mais complexo.

Nesta perspectiva, o poder está passando dos que tem mais força bruta para os que tem mais conhecimento. Hoje ele está mais fácil de obter, mais difícil de utilizar e mais fácil de perder. Organizações terroristas são prova concreta.

Vivemos em uma época de abundância e temos mais de tudo. A produção econômica mundial aumentou cinco vezes desde 1950. Há mais 2 bilhões de pessoas no mundo do que havia duas décadas atrás. A produção aumentou, a população aumentou, a riqueza aumentou, formou-se uma classe média importante em termos globais. A soma destes mais gera uma classe média impaciente e bem informada, que quer um progresso mais rápido do que aquele que os governos são capazes de oferecer e cuja intolerância tornou-se uma poderosa arma política. São estes atores que estão em grande parte colocando em questão as velhas estruturas de poder. São para eles as razões de fundo para fenômenos como os movimentos das ruas no Brasil em 2013 e as mais recentes deste Século XXI.

Um dos aspectos importantes da fragmentação do poder é a enorme mobilidade adquirida em tempos de muita mobilização. As revoluções do mais e da mobilidade criam e fortaleceram uma nova classe média cada vez mais exigente e cada vez mais distante dos velhos mecanismos de poder e controle social. Isto acabou por produzir uma revolução da mentalidade. Esta nova mentalidade, associada aos mecanismos que a tecnologia oferece hoje estão de fato reconfigurando o poder e mudando a vida.

Até a próxima

*Baseado no texto de João Gualberto Vasconcellos.