Como funcionaria uma
sociedade sem estado
Publicado
por Instituto Ludwig von Mises Brasil
há 3 anos
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Este
artigo é a segunda e última parte da entrevista concedida por Hans-Hermann
Hoppe à revista Wirtschaftswoche, o principal semanário da
Alemanha sobre economia e negócios, e foi conduzida por Malte Fischer. A
primeira parte, que versou sobre economia global e secessão, pode ser lida aqui.
Independentemente
do número de territórios soberanos, ainda resta a questão do tamanho do
governo. Os liberais clássicos sugerem que o estado seja um mero 'guarda
noturno', o qual se limita a garantir a liberdade, a propriedade e a paz. Mas o
senhor não quer estado nenhum. Por quê?
Os
liberais clássicos subestimam a inerente tendência de qualquer arranjo estatal
ao inchaço. Essa é uma propensão irreversível. Quem determina quantos
policiais, quantos juízes e quantos soldados — todos eles financiados por
impostos — haverá em um estado mínimo voltado exclusivamente para a segurança e
para os serviços judiciais?
No
mercado, onde bens e serviços são demandados e pagos voluntariamente, a
resposta é clara: leite será produzido no volume que os consumidores desejam e
vendido aos preços que os consumidores estão dispostos a pagar. Por outro lado,
no que tange ao governo de qualquer país, essa pergunta de "quanto?"
será sempre respondida da mesma maneira: quanto mais dinheiro você nos der,
mais poderemos fazer por você.
Dado que
o governo pode obrigar seus cidadãos a pagar impostos, o governo sempre irá
exigir cada vez mais dinheiro e, em troca, ofertará serviços de qualidade cada
vez pior, dado que o governo não opera em ambiente concorrencial. A ideia de um
estado mínimo, principalmente em uma democracia, é um projeto conceitualmente
falho. Estados mínimos jamais permanecem mínimos.
Então não
deveria haver estado nem sequer para proteger a propriedade, e para fornecer
serviços de segurança e de justiça?
Se o
estado for proteger a propriedade utilizando uma polícia estatal, então ele
terá de coercivamente coletar impostos. No entanto, impostos são expropriação.
Desta maneira, o estado paradoxalmente se transforma em um expropriador
protetor da propriedade. Não faz sentido. Ademais, um estado que quer manter a
lei e a ordem, mas que pode ele próprio criar leis, será ao mesmo tempo um
transgressor e um mantenedor da lei.
E isso
tem de ficar claro: o estado não nos defende; ao contrário, o estado nos
agride, confisca nossa propriedade e a utiliza para se defender a si próprio. A
definição padrão do estado é essa: o estado é uma agência caracterizada por
duas feições exclusivas e logicamente conectadas entre si. Primeiro, o estado é
uma agência que exerce o monopólio compulsório da jurisdição de seu território;
o estado é o tomador supremo de decisões. Ou seja, o estado é o árbitro e juiz
supremo de todos os casos de conflito, incluindo aqueles conflitos que envolvem
ele próprio e seus funcionários. Não há qualquer possibilidade de apelação que
esteja acima e além do estado. Segundo, o estado é uma agência que exerce o
monopólio territorial da tributação. Ou seja, é uma agência que pode determinar
unilateralmente o preço que seus súditos devem pagar pelos seus serviços de
juiz supremo. Baseando-se nesse arranjo institucional, você pode seguramente
prever quais serão as consequências:
a) em vez
de impedir e solucionar conflitos, alguém que possua o monopólio da tomada
suprema de decisões irá gerar e provocar conflitos com o intuito de resolvê-los
em benefício próprio. Isto é, o estado não reconhece e protege as leis
existentes, mas as distorce e corrompe por meio da legislação. Contradição
número um: o estado é, como dito, um transgressor mantenedor das leis.
b) em vez
de defender e proteger alguém ou alguma coisa, um monopolista da tributação irá
invariavelmente se esforçar para maximizar seus gastos com proteção e ao mesmo
tempo minimizar a real produção de proteção. Quanto mais dinheiro o estado
puder gastar e quanto menos ele tiver de trabalhar para obter esse dinheiro,
melhor será a sua situação. Contradição número dois: o estado é, como dito, um
expropriador protetor da propriedade.
Então,
para quem o senhor gostaria de transferir a tarefa de proteger direitos e
propriedade?
Tais
tarefas devem ser realizadas por aquelas empresas privadas que comprovadamente
demonstrarem competência em um mercado livre e concorrencial — exatamente como
ocorre com os outros serviços.
Em uma
sociedade de leis privadas, a produção de lei e ordem — de segurança — seria
feita por indivíduos e agências livremente financiados, concorrendo entre si
por uma clientela disposta a pagar (ou a não pagar) voluntariamente por tais
serviços — exatamente como ocorre com a produção de todos os outros bens e
serviços. Como esse sistema funcionaria é algo que pode ser mais bem
compreendido ao contrastarmos tal sistema com o funcionamento do nosso atual e
totalmente conhecido sistema estatista.
Se
quisermos resumir em uma única palavra a diferença (e a vantagem) decisiva
entre uma indústria de segurança operando em ambiente concorrencial e a atual
prática estatista, essa palavra seria: contrato.
O estado
opera em um vácuo jurídico. Não existe nenhum contrato entre o estado e seus
cidadãos. Não está determinado contratualmente o que de fato pertence a quem;
consequentemente, não está determinado o que deve ser protegido. Não está
determinado qual serviço o estado deve fornecer, nem o que deve acontecer caso
o estado falhe em cumprir seu dever, e nem qual preço o "consumidor"
de tais "serviços" deve pagar. Ao contrário: o estado determina
unilateralmente as regras do jogo, podendo mudá-las, por mera legislação,
durante o jogo.
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