segunda-feira, 4 de dezembro de 2017

ANARQUISMO OU SOCIEDADE SEM ESTADO



COMO FUNCIONARIA UMA SOCIEDADE SEM ESTADO ?
Continuação – Parte II - Hans Hermann Hoppe - Publicado por Instituto Ludwig von Mises Brasil

·        E como seriam definidas as leis e como seria sua aplicação?
Em primeiro lugar, é preciso deixar claro que, se não houvesse conflitos entre indivíduos e todos nós vivêssemos em perfeita harmonia, não haveria nenhuma necessidade de leis ou normas.  O propósito de leis ou normas é justamente o de ajudar a evitar conflitos que de outra forma seriam inevitáveis.  Somente as leis que atingem esse objetivo podem ser chamadas de leis boas.  Uma lei que gera conflitos em vez de ajudar a evitá-los é contrária ao propósito intrínseco de qualquer lei, ou seja, trata-se de uma lei ruim, disfuncional e corrupta.
Em segundo lugar, é preciso entender que toda e qualquer sociedade tem como característica intrínseca conflitos de propriedade sobre bens escassos.  Conflitos ocorrem porque vivemos em um mundo de escassez, onde os bens são escassos.  Afinal, se os bens são escassos, eles não podem ser de todos.  É necessário haver propriedade sobre eles.  As pessoas entram em choque porque querem utilizar exatamente o mesmo bem de maneiras distintas e incompatíveis.  Ou eu venço a briga e utilizo tal bem do meu jeito, ou você vence e utiliza tal bem do seu jeito.  É impossível que nós dois saiamos “ganhadores”.  No caso de bens escassos, portanto, são necessárias regras ou leis que nos ajudem a solucionar reivindicações rivais e conflituosas.
Mas não é necessário que seja o estado quem irá resolver tais conflitos.
Logo, todos os conflitos relacionados ao uso de bens escassos, poderão ser evitados apenas se cada bem for propriedade privada, isto é, se cada bem escasso for exclusivamente controlado por um indivíduo (ou grupo de indivíduos) específico — e não por vários indivíduos não-especificados —, e sempre for deixado claro qual bem é propriedade de quem, e qual não é.  E, para que os conflitos fossem evitados desde o início da humanidade, por assim dizer, seria necessário ter uma regra determinando que a primeira apropriação original de algum recurso escasso e até então sem dono configuraria propriedade privada.
Sendo assim, existem essencialmente três “leis boas” que podem garantir uma interação humana sem a ocorrência de conflitos (ou a “paz eterna”):
a) aquele que se apropria de algo até então sem dono torna-se o seu proprietário exclusivo (na condição de primeiro proprietário, ele logicamente não entrou em conflito com ninguém, dado que todas as outras pessoas apareceram em cena apenas mais tarde);
b) aquele que produz algo utilizando tanto o seu próprio corpo quanto os bens dos quais se apropriou originalmente torna-se o proprietário único e legítimo do produto de seu trabalho — desde que ele, nesse processo, não danifique a integridade física da propriedade de terceiros; e
c) aquele que adquire um bem de algum proprietário por meio de uma troca voluntária — isto é, uma troca considerada a priori como mutuamente benéfica — torna-se o novo proprietário desse bem.
Portanto, tendo este pano de fundo, imagine agora uma sociedade sem estado.  Nesta ordem natural, cada indivíduo que for o primeiro a se apropriar de algo irá se tornar o proprietário original dos bens que ele controla.  Quem sugerir o contrário terá o ônus da prova.  Neste arranjo, conflitos serão resolvidos por uma autoridade natural.  Em vilarejos, esta autoridade natural são aquelas pessoas que forem respeitadas por todos; elas atuarão como juízes.  Se houver alguma contenda envolvendo pessoas pertencentes a comunidades distintas, e que recorrerem a juízes distintos, o conflito terá de ser arbitrado no nível superior mais próximo.  O que é importante é que nenhum juiz detenha o monopólio da aplicação de leis.
O mesmo raciocínio se aplica a qualquer cidade, de qualquer tamanho, dado que toda e qualquer cidade está dividida em bairros, que funcionam como se fossem vilarejos integrados.
·        Isso soa muito irrealista…
… mas não é!  Apenas veja como as contendas transnacionais são resolvidas atualmente.  Em nível internacional, já existe uma espécie de anarquia jurídica, pois não há um governo mundial que a tudo regula.  Por exemplo, pense na cidade da Basileia.  Ela está localizada em uma tríplice fronteira entre Suíça, França e Alemanha.  O que seus cidadãos fazem quando há uma contenda entre eles?  Em primeiro lugar, eles irão contatar suas respectivas jurisdições.  Se não houver nenhum acordo, arbitradores independentes são convocados para resolver o caso.  Por acaso existem mais contendas entre os cidadãos desta região do que entre cidadãos de Dusseldorf e Colônia?  Nunca ouvi falar.  Isso mostra que é possível regular disputas interpessoais pacificamente, sem que haja um estado detentor do monopólio do justiça.
·        Um sistema jurídico sem estado provavelmente está muito além da imaginação das pessoas.
Por quê?  Basicamente, são idéias facilmente compreensíveis que, ao longo dos séculos, foram abolidas e extirpadas de nós por apologistas do poder estatal.  Foi um grande erro evolucionário substituir a liberdade de escolha das pessoas em termos legais por um monopólio estatal da legislação.  Este atual estado de coisas levou a um arranjo em que, nas eleições, uma horda ignara adquire cargos governamentais e utiliza seu poder legiferante para se enriquecer expropriando a propriedade daqueles que possuem mais riquezas do que eles próprios.  Já o chefe de um clã que seja voluntariamente escolhido como um arbitrador de disputas normalmente será um indivíduo já rico que não terá motivos para querer tomar para si a propriedade de terceiros.  Caso contrário, ele não seria escolhido voluntariamente como arbitrador.
(Conclusão na próxima coluna)

Nenhum comentário: