COMO FUNCIONARIA UMA
SOCIEDADE SEM ESTADO ?
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E como seriam definidas as leis e como seria sua
aplicação?
Em primeiro lugar, é preciso deixar claro
que, se não houvesse conflitos entre indivíduos e todos nós vivêssemos em
perfeita harmonia, não haveria nenhuma necessidade de leis ou normas. O
propósito de leis ou normas é justamente o de ajudar a evitar conflitos que de
outra forma seriam inevitáveis. Somente as leis que atingem esse objetivo
podem ser chamadas de leis boas. Uma lei que gera conflitos
em vez de ajudar a evitá-los é contrária ao propósito intrínseco de qualquer
lei, ou seja, trata-se de uma lei ruim, disfuncional e corrupta.
Em segundo lugar, é preciso entender que
toda e qualquer sociedade tem como característica intrínseca conflitos de
propriedade sobre bens escassos. Conflitos ocorrem porque vivemos
em um mundo de escassez, onde os bens são escassos. Afinal,
se os bens são escassos, eles não podem ser de todos. É necessário haver
propriedade sobre eles. As pessoas entram em choque porque querem
utilizar exatamente o mesmo bem de maneiras distintas e incompatíveis. Ou
eu venço a briga e utilizo tal bem do meu jeito, ou você vence e utiliza tal
bem do seu jeito. É impossível que nós dois saiamos “ganhadores”.
No caso de bens escassos, portanto, são necessárias regras ou leis que nos
ajudem a solucionar reivindicações rivais e conflituosas.
Mas não é necessário que seja o estado quem
irá resolver tais conflitos.
Logo, todos os conflitos relacionados ao
uso de bens escassos, poderão ser evitados apenas se cada bem for propriedade
privada, isto é, se cada bem escasso for exclusivamente controlado por um
indivíduo (ou grupo de indivíduos) específico — e não por vários indivíduos
não-especificados —, e sempre for deixado claro qual bem é propriedade de quem,
e qual não é. E, para que os conflitos fossem evitados desde o
início da humanidade, por assim dizer, seria necessário ter uma regra
determinando que a primeira apropriação original de algum
recurso escasso e até então sem dono configuraria propriedade privada.
Sendo assim, existem essencialmente três
“leis boas” que podem garantir uma interação humana sem a ocorrência de
conflitos (ou a “paz eterna”):
a)
aquele que se apropria de algo até então sem dono torna-se o seu proprietário
exclusivo (na condição de primeiro proprietário, ele logicamente não entrou em
conflito com ninguém, dado que todas as outras pessoas apareceram em cena
apenas mais tarde);
b)
aquele que produz algo utilizando tanto o seu próprio corpo quanto os bens dos
quais se apropriou originalmente torna-se o proprietário único e legítimo do
produto de seu trabalho — desde que ele, nesse processo, não danifique a
integridade física da propriedade de terceiros; e
c)
aquele que adquire um bem de algum proprietário por meio de uma troca
voluntária — isto é, uma troca considerada a priori como
mutuamente benéfica — torna-se o novo proprietário desse bem.
Portanto, tendo este pano de fundo, imagine
agora uma sociedade sem estado. Nesta ordem natural, cada indivíduo que
for o primeiro a se apropriar de algo irá se tornar o proprietário original dos
bens que ele controla. Quem sugerir o contrário terá o ônus da
prova. Neste arranjo, conflitos serão resolvidos por uma autoridade
natural. Em vilarejos, esta autoridade natural são aquelas pessoas que
forem respeitadas por todos; elas atuarão como juízes. Se houver alguma
contenda envolvendo pessoas pertencentes a comunidades distintas, e que
recorrerem a juízes distintos, o conflito terá de ser arbitrado no nível
superior mais próximo. O que é importante é que nenhum juiz detenha o
monopólio da aplicação de leis.
O mesmo raciocínio se aplica a qualquer
cidade, de qualquer tamanho, dado que toda e qualquer cidade está dividida em
bairros, que funcionam como se fossem vilarejos integrados.
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Isso soa muito irrealista…
… mas não é! Apenas veja como as
contendas transnacionais são resolvidas atualmente. Em nível
internacional, já existe uma espécie de anarquia jurídica, pois não há um
governo mundial que a tudo regula. Por exemplo, pense na cidade da
Basileia. Ela está localizada em uma tríplice fronteira entre Suíça,
França e Alemanha. O que seus cidadãos fazem quando há uma contenda entre
eles? Em primeiro lugar, eles irão contatar suas respectivas
jurisdições. Se não houver nenhum acordo, arbitradores independentes são
convocados para resolver o caso. Por acaso existem mais contendas entre
os cidadãos desta região do que entre cidadãos de Dusseldorf e Colônia?
Nunca ouvi falar. Isso mostra que é possível regular disputas
interpessoais pacificamente, sem que haja um estado detentor do monopólio do
justiça.
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Um sistema jurídico sem estado provavelmente está muito
além da imaginação das pessoas.
Por quê? Basicamente, são idéias
facilmente compreensíveis que, ao longo dos séculos, foram abolidas e
extirpadas de nós por apologistas do poder estatal. Foi um grande erro
evolucionário substituir a liberdade de escolha das pessoas em termos legais
por um monopólio estatal da legislação. Este atual estado de coisas levou
a um arranjo em que, nas eleições, uma horda ignara adquire cargos
governamentais e utiliza seu poder legiferante para se enriquecer expropriando
a propriedade daqueles que possuem mais riquezas do que eles próprios. Já
o chefe de um clã que seja voluntariamente escolhido como um arbitrador de
disputas normalmente será um indivíduo já rico que não terá motivos para querer
tomar para si a propriedade de terceiros. Caso contrário, ele não seria
escolhido voluntariamente como arbitrador.
(Conclusão
na próxima coluna)
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