OPINIÃO – JAIME CAPRA
ESTADO MÍNIMO
A ideia de Estado Mínimo
pressupõe um deslocamento das atribuições do Estado perante a economia e a
sociedade. Preconiza-se a não-intervenção, e este afastamento em prol da
liberdade individual e da competição entre os agentes econômicos, segundo o
neoliberalismo, é o pressuposto da prosperidade econômica.
A única forma de regulação
econômica, portanto, deve ser feita pelas forças do mercado, as mais racionais e
eficientes possíveis. Ao Estado Mínimo cabe garantir a ordem, a legalidade e
concentrar seu papel executivo naqueles serviços mínimos necessários: policiamento,
forças armadas, poderes executivo, legislativo e judiciário, abrindo mão de
toda e qualquer forma de atuação econômica direta, como é o caso das empresas
estatais.
A concepção de Estado mínimo
surge como reação ao padrão de acumulação vigente durante grande parte do
século XX, em que o Estado financiava a acumulação do capital e também a
reprodução da força de trabalho via políticas sociais. Na medida em que este
Estado deixa de financiar esta última, torna-se “máximo” para o capital. O
suporte do fundo público ao capital deixa de ser aporte necessário ao processo
de acumulação, como também se maximiza diante das necessidades cada vez mais
exigentes do capital financeiro internacional.
AS IDÉIAS LIBERAIS
“O Caminho da Servidão (1946)”, de
Friedrich Hayek, escrito em 1944, marca o nascimento do neoliberalismo na
Europa e na América do Norte. Neste texto o Autor se firma contra o
planejamento econômico coletivista do Estado, predominante, segundo o autor,
nas sociedades alemã e italiana, além das sociedades socialistas, no período
que antecedia e durante o próprio transcurso da Segunda Guerra Mundial.
Resgatando o liberalismo utilitarista de
John Stuart Mill, Hayek defende o que chama de Regime da Lei, como limite para
a intervenção do governo na sociedade. Sob esse regime, o governo limita-se a
fixar as regras que determinando as condições em que podem ser usados os
recursos disponíveis, e deixando aos indivíduos a decisão sobre os fins a que
serão aplicados. Este Regime sustenta-se em uma estrutura permanente de leis,
às quais o governo vincula suas ações por meio de normas anunciadas
antecipadamente e que permitem aos indivíduos preverem com um razoável grau de
acerto, a maneira como as autoridades se comportarão. Dentro desse referencial
cada um pode realizar seu próprio planejamento.
Por outro lado, o planejamento econômico
coletivista pressupõe o governo dirigindo diretamente o emprego dos meios de
produção para fins específicos, o que inviabiliza a criação de regras formas de
caráter geral que apenas referendam as ações individuais. Quando o governo tem
de resolver quantos porcos é necessário criar, quantos ônibus cumpre pôr em
circulação, ou a que preço devem ser vendidos os sapatos, essas decisões não
podem ser deduzidas de princípios formais nem estabelecidas com antecipação
para longo períodos. Dependem inevitavelmente das circunstâncias ocasionais, e
ao tomar tais decisões será sempre necessário balançar os interesses de várias
pessoas e grupos. No final serão as opiniões de alguém que resolverão quais são
os interesses predominantes.
A CONCEPÇÃO DO
“ESTADO MÍNIMO”
Embora em diferentes contextos
históricos, “O Caminho da Servidão” e “A Crise da Democracia” objetivam resgatar
a concepção de Estado que caracterizou o pensamento liberal dos séculos XVIII e
XIX e que ressurge no cenário atual encarnada em uma emblemática expressão –
Estado mínimo. Na linha de A Crise da Democracia (1974), seu autor Robert
Nozick define: “Minhas conclusões principais sobre o Estado são que um Estado
mínimo, limitado às estreitas funções de proteção contra a violência, o roubo e
a fraude, ao cumprimento de contratos, etc., se justifica; que qualquer Estado
mais abrangente violaria o direito das pessoas de não serem obrigadas a fazer
certas coisas e, portanto, não se justifica; que o Estado mínimo é inspirador,
assim como correto.
A intenção maior da obra de Nozik é
evidenciar que a versão contemporânea do Estado liberal clássico não passa de
um mito, uma falsa representação da realidade. Ainda que tal concepção pudesse
portar o status de um ideal, a história do desenvolvimento capitalista lançou
um sopro de lobo mau sobre o castelo de cartas.
Para Norberto Bobbio, o pressuposto
filosófico do Estado liberal é doutrina dos direitos do homem, segundo a qual o
Estado liberal é visto como um Estado limitado quanto aos poderes e quanto às
funções.
O MITO DO ESTADO
MÍNIMO
A crença na “mão invisível” e na
capacidade auto reguladora do mercado, permitem formulações acerca do
desenvolvimento capitalista que não rompem com os limites do Estado Mínimo.
Sem resgatar o debate que envolve a
crítica à Economia Política clássica, Marx identificou nas leis que regem o
capitalismo, contradições que atribuíam a esse regime de produção ser o
portador da possibilidade das crises. Segundo Marx, “a possibilidade das crises
está na metamorfose do capital, na separação, no tempo e no espaço, da compra e
da venda.
A produção capitalista aspira
constantemente superar seus limites. A possibilidade da crise impõe uma
condição inevitável à regulação capitalista. A crise pode requerer um Estado intervencionista
voltado para a restauração do nível de demanda efetiva ou um Estado
intervencionista com a missão de reanimar a economia de mercado, Em qualquer
das hipóteses, não se tem o Estado mínimo que a propaganda neoliberal de tanto
se vale para impingir uma virulenta política anti social, considerada vital
para a recuperação da economia capitalista.
Para resgatar a dinâmica da economia de
mercado é preciso um Estado forte, ainda que suas ações causem a impressão de
que ele está se retirando da cena.
A consecução desse objetivo passa pela contenção
da inflação, elevação dos lucros, geração de desemprego e acentuação das
desigualdades sociais. As tarefas compreendidas por essas metas são exemplos da
amplitude da ação do Estado: desregulamentação da economia; articulação da
compromissos perante organismos financeiros internacionais destinados a
garantir a estabilidade monetária e o pagamento da dívida externa; gestão do
conflito entre as frações capitalistas envolvidas no processo de abertura da
economia. Estas são algumas das “frentes de trabalho” de um Estado que os setores
mais conservadores da sociedade sonham ser o Estado mínimo. Todo o esforço do
Estado em desvencilhar-se de empresas pouco atraentes e que muito é explorado
ideologicamente por aqueles mesmos setores, se desvanece nas mirabolantes
cifras que se contabilizam na prática de socorro ao sistema financeiro.
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