quinta-feira, 24 de janeiro de 2019

ESTADO MÍNIMO


OPINIÃO – JAIME CAPRA

ESTADO MÍNIMO
A ideia de Estado Mínimo pressupõe um deslocamento das atribuições do Estado perante a economia e a sociedade. Preconiza-se a não-intervenção, e este afastamento em prol da liberdade individual e da competição entre os agentes econômicos, segundo o neoliberalismo, é o pressuposto da prosperidade econômica.
A única forma de regulação econômica, portanto, deve ser feita pelas forças do mercado, as mais racionais e eficientes possíveis. Ao Estado Mínimo cabe garantir a ordem, a legalidade e concentrar seu papel executivo naqueles serviços mínimos necessários: policiamento, forças armadas, poderes executivo, legislativo e judiciário, abrindo mão de toda e qualquer forma de atuação econômica direta, como é o caso das empresas estatais.
A concepção de Estado mínimo surge como reação ao padrão de acumulação vigente durante grande parte do século XX, em que o Estado financiava a acumulação do capital e também a reprodução da força de trabalho via políticas sociais. Na medida em que este Estado deixa de financiar esta última, torna-se “máximo” para o capital. O suporte do fundo público ao capital deixa de ser aporte necessário ao processo de acumulação, como também se maximiza diante das necessidades cada vez mais exigentes do capital financeiro internacional.

AS IDÉIAS LIBERAIS
“O Caminho da Servidão (1946)”, de Friedrich Hayek, escrito em 1944, marca o nascimento do neoliberalismo na Europa e na América do Norte. Neste texto o Autor se firma contra o planejamento econômico coletivista do Estado, predominante, segundo o autor, nas sociedades alemã e italiana, além das sociedades socialistas, no período que antecedia e durante o próprio transcurso da Segunda Guerra Mundial.
Resgatando o liberalismo utilitarista de John Stuart Mill, Hayek defende o que chama de Regime da Lei, como limite para a intervenção do governo na sociedade. Sob esse regime, o governo limita-se a fixar as regras que determinando as condições em que podem ser usados os recursos disponíveis, e deixando aos indivíduos a decisão sobre os fins a que serão aplicados. Este Regime sustenta-se em uma estrutura permanente de leis, às quais o governo vincula suas ações por meio de normas anunciadas antecipadamente e que permitem aos indivíduos preverem com um razoável grau de acerto, a maneira como as autoridades se comportarão. Dentro desse referencial cada um pode realizar seu próprio planejamento.
Por outro lado, o planejamento econômico coletivista pressupõe o governo dirigindo diretamente o emprego dos meios de produção para fins específicos, o que inviabiliza a criação de regras formas de caráter geral que apenas referendam as ações individuais. Quando o governo tem de resolver quantos porcos é necessário criar, quantos ônibus cumpre pôr em circulação, ou a que preço devem ser vendidos os sapatos, essas decisões não podem ser deduzidas de princípios formais nem estabelecidas com antecipação para longo períodos. Dependem inevitavelmente das circunstâncias ocasionais, e ao tomar tais decisões será sempre necessário balançar os interesses de várias pessoas e grupos. No final serão as opiniões de alguém que resolverão quais são os interesses predominantes.

A CONCEPÇÃO DO “ESTADO MÍNIMO”
       Embora em diferentes contextos históricos, “O Caminho da Servidão” e “A Crise da Democracia” objetivam resgatar a concepção de Estado que caracterizou o pensamento liberal dos séculos XVIII e XIX e que ressurge no cenário atual encarnada em uma emblemática expressão – Estado mínimo. Na linha de A Crise da Democracia (1974), seu autor Robert Nozick define: “Minhas conclusões principais sobre o Estado são que um Estado mínimo, limitado às estreitas funções de proteção contra a violência, o roubo e a fraude, ao cumprimento de contratos, etc., se justifica; que qualquer Estado mais abrangente violaria o direito das pessoas de não serem obrigadas a fazer certas coisas e, portanto, não se justifica; que o Estado mínimo é inspirador, assim como correto.
       A intenção maior da obra de Nozik é evidenciar que a versão contemporânea do Estado liberal clássico não passa de um mito, uma falsa representação da realidade. Ainda que tal concepção pudesse portar o status de um ideal, a história do desenvolvimento capitalista lançou um sopro de lobo mau sobre o castelo de cartas.
       Para Norberto Bobbio, o pressuposto filosófico do Estado liberal é doutrina dos direitos do homem, segundo a qual o Estado liberal é visto como um Estado limitado quanto aos poderes e quanto às funções.



O MITO DO ESTADO MÍNIMO
       A crença na “mão invisível” e na capacidade auto reguladora do mercado, permitem formulações acerca do desenvolvimento capitalista que não rompem com os limites do Estado Mínimo.
       Sem resgatar o debate que envolve a crítica à Economia Política clássica, Marx identificou nas leis que regem o capitalismo, contradições que atribuíam a esse regime de produção ser o portador da possibilidade das crises. Segundo Marx, “a possibilidade das crises está na metamorfose do capital, na separação, no tempo e no espaço, da compra e da venda.
A produção capitalista aspira constantemente superar seus limites. A possibilidade da crise impõe uma condição inevitável à regulação capitalista. A crise pode requerer um Estado intervencionista voltado para a restauração do nível de demanda efetiva ou um Estado intervencionista com a missão de reanimar a economia de mercado, Em qualquer das hipóteses, não se tem o Estado mínimo que a propaganda neoliberal de tanto se vale para impingir uma virulenta política anti social, considerada vital para a recuperação da economia capitalista.
Para resgatar a dinâmica da economia de mercado é preciso um Estado forte, ainda que suas ações causem a impressão de que ele está se retirando da cena.
A consecução desse objetivo passa pela contenção da inflação, elevação dos lucros, geração de desemprego e acentuação das desigualdades sociais. As tarefas compreendidas por essas metas são exemplos da amplitude da ação do Estado: desregulamentação da economia; articulação da compromissos perante organismos financeiros internacionais destinados a garantir a estabilidade monetária e o pagamento da dívida externa; gestão do conflito entre as frações capitalistas envolvidas no processo de abertura da economia. Estas são algumas das “frentes de trabalho” de um Estado que os setores mais conservadores da sociedade sonham ser o Estado mínimo. Todo o esforço do Estado em desvencilhar-se de empresas pouco atraentes e que muito é explorado ideologicamente por aqueles mesmos setores, se desvanece nas mirabolantes cifras que se contabilizam na prática de socorro ao sistema financeiro.

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