FIM DA PICADA
O
parlamento municipal, em associação com a administração, protagonizou um evento
inacreditável. Juntos conseguiram embaralhar os vereadores de tal forma que
ninguém mais sabe de que lado está. A sugestão não poderia ser outra senão a
encomenda urgente de algumas bússolas para achar o rumo a ser seguido daqui
para frente.
Nos
últimos tempos, tanto se falou no estacionamento rotativo, que a cabeça dos nossos
ilustres políticos, com algumas raras e honrosas exceções, gira e aponta para
uma ou outra direção qual biruta de aeroporto.
A
administração municipal colabora para isso. Mandou um projeto que foi
substituído por outro alguns dias depois. A colenda o modificou e aprovou.
Incontinenti, o executivo vetou tudo. A colenda, em represália, derrubou o
veto, obrigando o executivo a implantar o tal rotativo.
Isso
não é tudo. Algumas cabeças iluminadas sugeriram jogar a nova lei no lixo e
votar outra, de comum acordo. Muito bem, pois se é para pagar mico, que se
pague um bem grande de uma vez.
Alguns
vereadores que votaram a favor do estacionamento, votaram a favor do veto e
outros que votaram contra o estacionamento, votaram também contra o veto, que
justamente é para o povo não entender nada e engolir o sapo.
O
prefeito que vetou o projeto viu seus vereadores derrubarem o veto, coisa
inusitada no contexto de fidelidade partidária exigido pelo PMDB. Assim, o PMDB
traiu seu próprio prefeito. Deve já ter-se acostumado, pois há menos de seis
meses sofreu um revés semelhante. Naquela oportunidade, a reação foi bem outra,
assim como foi em 2002, quando o vereador Vanirto Conrad quis ser presidente da
colenda. A reação foi imediata e violenta. O que está acontecendo com o PMDB?
Está perdendo a noção do ridículo?
Para
o povo menos atento, o que pode esperar de um partido que aceita essas
incongruências em nome de interesses pessoais? O que pode o povo esperar de um
partido desses, que manda no Governo Federal, na Câmara e no Senado? O que pode
esperar o povo Migueloestino de um partido que comanda seu futuro, nega o que
escreve, deleta o que fala e manda seus soldados atirarem contra sua própria
trincheira? Isso nem Freud explica.
Alguém levaria a sério um defensor da
abstinência sexual que passasse as suas noites num bordel?
A imagem é grotesca. Às vezes, é preciso
ser brutal como um leão numa garagem. Metáforas pálidas levam a conclusões
beges. Um político que ganha, somando suas diferentes fontes de renda, mais de
cem mil reais por mês não pode ser o porta-voz da necessidade de austeridade.
Só se fala na importância de cortar gastos, desde que eles não atinjam quem os
propõe. O Brasil está sob o controle de uma elite vampira que suga o sangue da
plebe de canudinho. Sangue com uísque é de lamber os beiços. A França já passou
por isso. Marie-NoëlleLienemann até publicou um livro intitulado Os canibais do
Estado. Basta procurar na internet. Tudo se encontra na rede. Nada mais
ultrapassado do que pedir indicação de hotel em Paris. Quem canibaliza mais, a
plebe ou os camarotes?
A turma dos camarotes, por ser
numericamente menor, acha que não tem impacto sobre o buraco da bala. Manda a
conta para o térreo, que fica de cara para o muro e quase sem raios de sol. O
pessoal da cobertura não tem constrangimentos. Considera a fórmula 85/95, que
joga o fator previdenciário para escanteio sem lhe dar cartão vermelho, muito
perigosa. Talvez essa escala deva mesmo ser móvel de acordo com o aumento da
expectativa média de vida. A receita dominante é simples e clara: a minoria se
elege, administra e ganha bem. A maioria vota, é administrada e paga a conta
dos que tomam as decisões sempre em nome da responsabilidade, do bom senso e do
compromisso com o futuro. Conversa para empregado dormir em pé.
Tudo se joga agora. A presidente da
República quer vetar a fórmula 85/95. Para isso, precisa mandar ao Congresso
Nacional uma proposta alternativa. Qualquer que seja ela, genial ou medíocre,
será pior para os trabalhadores do que a 85/95. Especialistas minimamente
sinceros sabem que a Previdência não tem rombo. É o mito dos séculos. O
problema é que a grana vai parar em outros lugares para cobrir gastos que
possivelmente nem deveriam existir. Wladimir Novaes Martinez, criador da
fórmula 85/95, ensina o caminho das pedras: “A fórmula 85/95 representa mais do
que uma simples soma do tempo de serviço com a idade. Reconhece a distinção
legal da mulher, enquanto assim pensar o legislador. Da mesma forma a atividade
insalubre, determinante da aposentadoria especial. E, é claro, a situação do
professor, que, constitucionalmente, aposenta-se cinco antes dos demais
segurados”. É justa e cristalina. Mas não pode ser eterna.
O que faz um leão na garagem? Não sei
quem o colocou lá. Mas arranha o carro novinho dos canibais da República. O
advogado da Associação Brasileira de Benefício aos Aposentados, Pensionistas e
Servidores Públicos (Abasp), Caio Ferrer, mostra as garras sobre o rombo da
Previdência: “Trata-se de um mito divulgado pela imprensa para consolar os
aposentados”. O economista do Centro de Estudos Sindicais e de Economia do
Trabalho (Cesit) da Unicamp, Eduardo Fagnani, completa: “Se somarmos os últimos
anos todos esses fatores [de contribuição], vai dar um resultado
superavitário”. 85/95 já!
Legislativo, executivo e judiciário
adoram cortar gastos. Dos outros.
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