sexta-feira, 21 de setembro de 2018

SABER VOTAR

BRASILEIRO SABE VOTAR?
Certa vez, Pelé afirmou que "brasileiro não sabe votar". A
grande mídia e o TSE parecem estar falando o mesmo, agora. Mostram a corrupção do sistema de que fazem parte e culpam o povo. Pelé ficou famoso por sua genialidade com a bola nos pés. E quase tão famoso pela infelicidade de suas declarações. Talvez, a mais famosa delas tenha sido a frase: "brasileiro não sabe votar". Foi dita nos anos 70, ao ser questionado sobre a decisão dos governos militares de suspender eleições diretas para cargos do Executivo.
Quase 40 anos depois, a mídia e a Justiça Eleitoral parecem
estar falando o mesmo. É que nos últimos meses, não faltam lições de moral dadas por locutores, comentaristas, âncoras de jornal, especialistas disso e daquilo, e reles escribas como este, em matérias, artigos e anúncios. Todas praticamente acusando os eleitores e eleitoras de esquecerem em quem votaram. De não acompanharem a atuação daqueles que elegeram. Enfim, parece culpá-los pelo comportamento dos mensaleiros, sanguessugas e
outros mafiosos engravatados que chegaram ao Congresso
Nacional.
Numa propaganda do TSE, um professor de meia idade dá
uma bronca em idosos numa sala-de-aula. Acusa-os de esquecer em quem votaram, de não acompanhar a atuação dos eleitos e outras querelas mais. Comentaristas e apresentadores da imprensa escrita e falada fazem o mesmo com quem os ouve ou assiste. O Fantástico até criou um quadro chamado E eu com isso?. Nele, uma atriz interpreta uma mulher do povo, que não quer saber nada
de política. Enquanto lava a roupa, faz compras, se desloca em trens lotados para o trabalho, ela reafirma o tempo todo que política não leva a nada. Ao mesmo tempo, o quadro vai tentando explicar o funcionamento do Congresso, governos, partidos, etc. A atriz se sai muito bem interpretando alguém que mal tem tempo de dormir, quanto mais acompanhar mandatos e leis. Mas, não deixa de haver preconceito aí. Afinal, não são apenas os pobres que dão pouca atenção às atividades de vereadores, deputados, senadores, governantes em geral.
O cientista político Alberto Carlos Almeida, da FGV, demonstra isso em seu livro "Reforma Política: Lições da História Recente;. A publicação revela que 71% dos eleitores esqueceram em quem votaram para deputado federal quatro anos antes. É verdade que a chamada "amnésia eleitoral" é maior entre os de menor
escolaridade. Mas, 53% das pessoas com nível superior também não se lembram de seu voto.
Interessante que o próprio quadro do Fantástico; dá
elementos para entender por que o eleitorado esquece ou despreza a política dos gabinetes. A atriz que encarna a mulher do povo conversa sobre a necessidade de fiscalizar os parlamentares e governantes com pessoas da população. Estas, dizem coisas óbvias, como: Eu lá tenho tempo de ir atrás de vereador; ou Tenho coisa melhor pra fazer;. Ora, a primeira observação diz respeito a pessoas em busca de sua sobrevivência, o que lhes toma grande parte do tempo e das energias. A segunda, se refere exatamente ao que a grande mídia faz com a maioria da população, não apenas com os mais pobres. Oferece-lhes entretenimento fácil e barato e informação simplificada e desestimulante. De um lado,
canais como a TV Senado ou TV Câmara só chegam a quem paga tevê a cabo. De outro lado, quem é que vai trocar filmes, novelas, desenhos animados e outras atrações por discursos longos e chatos? No máximo, assistem aos "jornais das oito", com seu formato cada vez mais espetaculoso e menos explicativo. Além disso tudo, ainda tem o fato de que essa mesma mídia é a grande advogada do individualismo. É a primeira a desestimular a
organização da população. Também não vacila na hora de chamar partidos e organizações populares de atrasados, radicais, extremistas. Quer mesmo é que a fiscalização se limite ao voto individual, escondido na cabine de votação, uma vez a cada 2 anos.
Manifestações em frente aos parlamentos e palácios, nem pensar. Aí, é baderna. Partidos de esquerda que organizam o povo? Cláusula de barreira neles. Enquanto isso, o grande partido dos monopólios das imagens e do som continua fazendo e desfazendo, sem eleições e mandato para isso. Sem falar nos 30% de parlamentares que representam seus interesses no Congresso Nacional.
Ora, toda essa estória de fique de olho em seu deputado não passa de um jeito de colocar a culpa no povo e deixar em paz o próprio sistema. Este sim, cria os quase sempre esquecidos corruptos públicos e os nunca lembrados corruptores privados. E quando surgirem novos escândalos, as palavras de Pelé serão novamente lembradas, ainda que não ditas. Por outro lado, toda essa conversa moralista serve para esconder que parlamentares e governantes não traem a vontade popular apenas roubando. Na verdade, a maior parte nem é corrupta. Somente propõe e aceita leis que pioram a vida da grande maioria da população.
Adaptando uma frase irônica que Berthold Brecht disse uma
vez: Não seria mais fácil o governo e a mídia derrubarem o povo e elegerem um outro?

A QUESTÃO SOCIAL
Há muito se tenta compreender como um país de extremas
desigualdades estrutura-se sem uma verdadeira tensão social. Desde a época em que a legislação social foi implementada no Brasil, procura-se dizer que no Brasil não há uma questão social, pois as classes sociais convivem harmonicamente. 
Muitos usaram esta visão para dizer que foi um equívoco
estabelecer direitos trabalhistas, pois isto implicou numa forma de incentivar um conflito onde não existia. Essa conversa foi uma visão distorcida da realidade, comprometida com o resultado de manter uma exploração capitalista sem o mínimo de responsabilidade social.
Havia um movimento reivindicatório por parte dos trabalhadores, mas, deve-se reconhecer que não era tão organizado a ponto de gerar uma ameaça ao sistema político e econômico. Isto não pode servir de argumento para negar a importância da legislação social.
Equivocam-se os que dizem que a legislação social incentivou um conflito onde não existia.

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